O Teatro dos Vampiros
Seria o fisiologismo partidário a outra face da moeda
do presidencialismo de coalizão?
Há algumas semanas viemos acompanhando mais de perto os capítulos da nossa novela “Entre Tapas e Subornos”, relativa à disputa política entre o Governo e o Congresso.
Observamos que essa peça da teledramaturgia política de nossa República não se limita unicamente à questão da votação das IOFs. Na verdade, suas raízes estão relacionadas à relação promíscua entre Executivo e Legislativo, envolvendo negociatas de cargos, aprovações de orçamento e liberação de emendas parlamentares, além da defesa das pautas políticas da burguesia, através das bancadas temáticas tradicionais como a bancada do “boi”, da “bala”, da “bíblia” e das “big techs”. (Veja em “Filípicas: diário das lutas de classes, Ano 2, Nº1” intitulada “Entre Tapas e Subornos”).
Além destas questões também aparece a estratégia político-eleitoral e a crise na renovação dos quadros eleitorais tanto da ultradireita, quanto das forças democráticas no Brasil. A crise política envolve, do lado das forças de ultradireita, a possibilidade de desgastar socialmente o governo para que seus candidatos possam ter chances reais de vitória, enquanto a reação do Governo indica não só uma tentativa de retomar os seus bons índices de popularidade como uma reaproximação com os movimentos populares (Veja em “Filípicas: diário das lutas de classes, Ano 2, Nº2” intitulada “A ‘Dinâmica do Apostador’ e a ‘Síndrome de Cassandra’”).
No entanto, estes não são os únicos motivos que perpassam essa relação conflituosa entre os dois poderes. Na verdade, existe também uma disputa pelo protagonismo político da relação entre o Executivo e o Legislativo. Esse protagonismo não é estático, nem obedece às prerrogativas normativas das duas instituições.
Tal relação é pautada a partir de duas dinâmicas que, ao longo da história recente da República brasileira, sempre aparecem juntas: o presidencialismo de coalizão e o fisiologismo partidário.
Para entendermos melhor como estas duas práticas aparecem na relação entre esses dois poderes, vamos aqui rememorar rapidamente como os Poderes Legislativo e Executivo repactuaram suas relações após a Constituinte de 1988 e as eleições presidenciais de 1989.
1. O início do fim
O primeiro Presidente da era da redemocratização, era até então, um jovem político de direita, herdeiro de uma das famílias mais tradicionais do Nordeste brasileiro e que sobe ao poder prometendo acabar com a corrupção deixada pelos generais.
Até aquele momento Fernando Collor de Mello, arrogava-se a si mesmo como o “caçador de marajás”, defendendo uma "nova política" (alguém já ouviu isso antes?). Não é de hoje, portanto, que o conservadorismo brasileiro nos promete um “messias”.
A relação entre o novo Governo e o Congresso foi mediada pelo empresário alagoano Paulo César Farias (PC Farias) que tinha atuado como tesoureiro da campanha presidencial de Collor em 1989. PC Farias era o responsável por receber "doações" de empresários e empresas que, em troca, esperavam contrapartidas do governo que iam desde informações privilegiadas, até licitações ilícitas e toda a sorte de promiscuidade institucional.
Parte deste dinheiro era usada para cobrir despesas pessoais de Collor como viagens, reformas no Palácio da “Dinda”, compra de bens, etc.; outra parte, era direcionada para formação de uma base parlamentar leal ao governo. O dinheiro era usado para liberação de verbas e emendas parlamentares, além do fato do Governo Collor dar início à negociação de cargos em Ministérios e estatais, também em troca de apoio político. Vê-se que, através de PC Farias, o Governo iniciava uma estrutura de presidencialismo de coalizão financiada pelo lobismo com a iniciativa privada.
A proposição do presidencialismo de coalizão como forma de gestão política aparece de forma justificada a partir da segunda metade da década de 1990, com a era FHC.
2. O reverso da moeda do presidencialismo de coalizão
É
no período FHC que a distribuição de cargos e emendas se torna
uso comum, como forma de garantir maioria para a aprovação de medidas principalmente
para partidos de centro e centro-direita, tornou a prática do presidencialismo
de coalizão, em uma política de Estado.
Em sua natural argumentação sofística, no qual se tornou especialista ao dar entrevistas, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) e o séquito do jornalismo político da época, fez grande parte da opinião pública acreditar que o mecanismo político-institucional do presidencialismo de coalizão era uma necessidade, desde que se pudesse evitar as práticas fisiológicas.
Essa argumentação, aparentemente republicana, no entanto, deixa de lado a evidência trazida pelo “esquema PC Farias”: de alguma forma, a presença do fisiologismo político estava relacionada ao presidencialismo de coalizão.
A evidência desta afirmação não demorou a aparecer, quando denúncias e provas documentais revelaram a compra de votos de deputados para a aprovação do decreto de reeleição e evidências apontavam para a compra de votos para a aprovação da venda de estatais como a Vale do Rio Doce e a Telebrás.
O lulo-petismo a esta época aparecia diante da imprensa como o principal paladino da moral republicana, opondo-se ao presidencialismo de coalizão e denunciando os esquemas de corrupção e prometendo, caso eleitos para o Executivo, trazer transparência na dinâmica das instituições.
Notemos que, até aqui, o Legislativo aparece como o elemento passivo dessa relação. O papel de agente corruptor, ocorre inicialmente por parte do Poder Executivo. O Legislativo, neste momento, não busca conduzir nem influenciar diretamente no direcionamento dos Governos. É durante a era Lulo-petista e a gestão bolsonarista que, gradualmente, a autoridade política do Poder Executivo começa a enfraquecer e o Congresso vai ganhando o protagonismo que encontramos hoje, buscando, inclusive, incidir na condução das políticas de Governo e de Estado.
Contudo, é justo observar que durante todo o período anterior às eleições de 2002 (quando o lulo-petismo ganha pela primeira vez o pleito eleitoral para a Presidência da república), o setor hegemônico das esquerdas no Brasil pautou uma série de debates e de discussões sobre os limites da democracia representativa e a busca em construir alternativas político-institucionais ao presidencialismo de coalisão.
Essas alternativas foram condensadas naquilo que se denominou “democracia participativa”, uma proposição político-programática discutida entre setores da intelectualidade de esquerda e organizações populares durante o período imediatamente anterior às eleições de 2002 e que durou quase todo o primeiro mandato do presidente petista.
Cabe
aqui abrirmos um pequeno parêntese para entendermos um pouco melhor este
momento do pensamento político das esquerdas no Brasil.
Quando toma posse em 2003, Lula e seus companheiros encontram o mesmo cenário nas gestões anteriores, onde o Congresso aparece formado majoritariamente pelos partidos tradicionais que, durante décadas, haviam se mantido política e financeiramente com base na estrutura político-institucional do presidencialismo de coalizão e no fisiologismo partidário.
Contudo, por outro lado, havia um aspecto importante da política republicana, que havia se tornando objeto de discussões nas organizações de esquerda tendo em vista o Governo de Hugo Chaves na Venezuela e a experiência das gestões petistas à frente de algumas prefeituras e governos estaduais. Estas gestões colocavam em pauta a discussão sobre a chamada “democracia participativa”, como modelo de gestão pública alternativo ao presidencialismo de coalisão.
O debate sobre a formação dos dispositivos de democracia participativa suscitou por parte dos movimentos populares e partidos de esquerda, uma série de propostas de proposição de dispositivos institucionais (os chamados conselhos de co-gestão), como também a proposição de leis relativas à instauração de plebiscitos, referendos e iniciativa popular de leis; além da reivindicação da criação de organismos de fiscalização popular da gestão pública (os chamados “conselhos populares”). Algumas dessas medidas foram mesmo transformadas em políticas de Estado (como o Orçamento Participativo) por parte de algumas administrações lideradas por candidatos de esquerda.
Essa proposição vinha sendo discutida entre os círculos das esquerdas no Brasil desde a segunda metade da década de 1990. Ao assumir a faixa presidencial em 2003, praticamente todas as organizações populares – embora divergissem do teor de radicalidade do novo Governo – não tinham dúvidas de que o lulo-petismo se empenharia na criação de dispositivos político-institucionais de participação popular.
A institucionalização da democracia participativa, para os círculos das esquerdas, impunha-se com força de necessidade. Tendo em vista um Congresso moldado historicamente em uma cultura política fundada na negociação de cargos e subornos de toda espécie, para o pensamento de esquerda da época, a democracia participativa aparecia como única alternativa viável no enfretamento das práticas fisiológicas.
Sem dispositivos de fiscalização e de participação popular na gestão pública, não haveria outra alternativa senão ceder ao jogo de distribuição de cargos e ao suborno das emendas para aprovação de leis e de Reformas. Gostassem ou não, Lula e a cúpula petista, segundo raciocinava a intelectualidade e as principais lideranças de esquerda da época, teria de incorporar em algum grau, a participação popular como parte de sua dinâmica de governo.
Fortaleza,
12/07/2025
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