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O EQUILIBRISTA: A QUESTÃO DA CONDIÇÃO HUMANA E AS CONSEQUÊNCIAS SOCIOPOLÍTICAS DA CRISE DA CONCEPÇÃO DE SUJEITO (CONCLUSÃO)

(Advertência: este texto apresenta-se como uma continuação e exige, para seu entendimento, a leitura preliminar das postagens anteriores. Se você está lendo pela primeira vez, volte para a postagem do dia seis de maio e prossiga até aqui)

 

A crise teórica na fundamentação da categoria de sujeito e o desafio de uma nova fundamentação para os direitos sociais e políticos



Como vimos, a compreensão antropológica que herdamos da sabedoria dos modernos consiste em uma compreensão dualista da pessoa humana, entre o nosso ideal de comportamento, quer dizer, nossa autocompreensão teorética de onde inferimos um conjunto de características “naturais” que formam o sujeito de direitos. Por outro lado, também desenvolvemos – com base nas condicionantes objetivas – um comportamento social necessário advindo das necessidades oriundas das relações sociais objetivas.

Também vimos que essas duas ordens de compreensão têm origem nos mesmos aspectos objetivos que condicionam nossas relações sociais. Ainda que possamos compreender que ambas estão internamente relacionadas, o fato de existir entre ambas uma contradição tão evidente não passou despercebido para os pensadores que tinham uma visão crítica da sociedade ocidental.

Contudo, essa contradição se tornou mais evidente não através da crítica intelectual, mas através de um conjunto de crises socioeconômicas e de conflitos que marcaram a sociedade humana ao longo do século passado. Essas experiências fizeram com que crescesse uma literatura teórica – de diversas matrizes teóricas – que passou a questionar todo o conjunto de compreensões que herdamos da modernidade, inclusive, nossos critérios de compreensão daquilo que era verdadeiro.

Como assim?

O mundo pós-Segunda Guerra mundial, expressa, portanto, uma compreensão diferente daquilo que vinha se expressando desde o século XVIII e as visões de mundo que emergem dos escombros de Hiroshima e Nagasaki apontam para as inconsistências teórico-metodológicas de nossas perspectivas antropológicas.

É fato que, como vimos, a fundamentação sobre nossa autocompreensão antropológica repousa sobre uma formulação teoricamente precária se pensarmos a sua relação dessa formulação com a nossa realidade histórica. No entanto, essa é a ordem de compreensão que fundamenta a elaboração dos direitos sociais e liberdades políticas presentes em todas as constituições de regimes constitucionais até hoje.

Há, portanto, em nossa época histórica, uma nova ordem de contradição que não reside apenas na contradição entre nossa autocompreensão antropológica e o nosso comportamento social necessário, mas também entre uma compreensão teórica que critica essa autocompreensão antropológica, mas que defende uma ordem de liberdades e direitos cujas origens derivam dessa antropologia que é criticada.

Essa nova contradição, trás para nós um conjunto de questões importantes, cuja resposta está longe de ser alcançada uma vez que o debate envolve uma série de questões práticas também, mas que precisaríamos começar a considerar.

Afinal, seria hoje necessário repensar a fundamentação dos critérios que fundamentam nossa humanidade?

Teríamos hoje de questionar essa compreensão do ser humano como uma “mônada” independente que se relaciona com outros apenas por uma questão de necessidades egoístas?

Que ordens de direitos e de liberdades políticas seriam inferidas de uma nova compreensão antropológica da espécie humana?

Se entendemos que as relações sociais compreendem as bases não apenas do nosso comportamento social imediato, como de nossa própria visão de nós mesmos, é possível pensar uma nova compreensão do ser humano fora do espectro da luta por uma nova ordem de sociabilidade?

Para mais uma vez parafrasear Brecht – eu que nunca canso de citar esse verso...

“Tantas histórias, tantas questões!”

Michael Melo Bocádio

Texto finalizado em 16/05/2024 às 17h54min.

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