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O EQUILIBRISTA: A QUESTÃO DA CONDIÇÃO HUMANA E AS CONSEQUÊNCIAS SOCIOPOLÍTICAS DA CRISE DA CONCEPÇÃO DE SUJEITO (PARTE 1)

 



Muito além das Representações

Certa vez, olhando algumas imagens de filmes antigos no YouTube, deparei-me com a antológica cena de Carlitos (clássico personagem de Chaplin), equilibrando-se na corda-bamba no filme O Circo. A cena, não por acaso, remete claramente às passagens onde Nietzsche relaciona o homem, ora à uma corda estendida à beira do abismo entre dois extremos, ora como um equilibrista, prestes a cair.

No entanto, esta representação da ambivalência da condição humana, não é uma constatação contemporânea.  Na Antiguidade, figuras como Édipo da peça de Sófocles, Édipo Rei, já colocavam a pessoa humana diante de contradições inevitáveis como o presente e o passado; a inocência e a culpa; a verdade e a mentira e da possibilidade de transitar entre elas, conforme as circunstâncias, como nos mostra o destino da rainha Jocasta, ao final da peça. Para mim, todas essas questões na peça atingem seu auge na cruel imagem entre Édipo e o profeta cego Tirésias, onde este último pergunta ao rei de Tebas quem verdadeiramente estava cego. 

Séculos depois, Shakespeare coloca-nos outra vez diante da ambivalência da condição humana, trazendo-nos o malfadado príncipe Hamlet na peça homônima. Assim como os gregos, o poeta britânico também nos traz o conflito da culpa atravessando o tempo, responsabilizando as novas gerações pelos erros de seus ancestrais, só que o jovem príncipe da Dinamarca não é aquele que sofre as consequências das culpas de seus pais, mas, pelo contrário, ele é o herdeiro da vingança paterna.

Evidente que, ao executar a vontade do pai, Hamlet se vê obrigado a cometer sua própria carga de crimes, entendendo que também terá de responder por eles. Estoicamente ele aceita a responsabilidade, consciente de que, ao final, ele próprio sofrerá as consequências de suas ações de forma fatídica.

Mas, o dramaturgo britânico nos coloca para além da dinâmica do problema da culpa que atravessa gerações. Shakespeare, em sua época, já anuncia que estamos dando os primeiros passos de entrada na da modernidade, ao colocar entre tantos dilemas e conflitos (como a relação entre a existência e a morte; a verdade e a mentira; o conflito entre gerações), aquele que seria um dos traços mais emblemáticos desta peça: o conflito entre a razão e a insanidade.

Algum tempo depois, Cervantes nos traz de novo essa retratação da condição humana transitando entre as nossas idealizações e de como elas podem nos levar à loucura, através do seu Dom Quixote de La Mancha. Contudo, nosso poeta latino tem, diante do fatídico poeta britânico, a vantagem de trazer um certo otimismo em sua representação da figura humana. Mesmo perdidos em nossas próprias ilusões, a razão ainda consegue ecoar dentro de nós. Em meio às brumas da fantasia ela, diz-nos na figura de um pajem ignorante, que os gigantes em que transformamos nossos problemas, nada mais são que moinhos de vento.

Goethe, no entanto, coloca-nos diante de nosso maior inimigo: o Diabo. Sim, mas o que talvez você não saiba, é que o maior demônio que move as ações de Fausto não é Mefistófeles, não, seu maior tormento... é o Tempo! Toda a luta do protagonista poderia ser resumida numa inútil e não menos encaniçada luta contra a finitude. A ilusão de imortalidade é algo para o qual Fausto está disposto a dar a própria alma. Evidentemente que, o desenvolvimento do personagem consiste exatamente na consciência da própria finitude, uma lição que o próprio Odisseu levou quase vinte anos para aprender.  

Assim, através de nossa história, artistas como Homero, Sófocles, Chaplin, Shakespeare, Cervantes e Goethe, nos trazem diante de forças e de sentimentos que nos lembram a condição de transitoriedade de nossa humanidade. Assim como a arte, o pensamento humano – desde que se liberta das narrativas mitológicas – vem sempre tentado responder à questão se há algo mais em nós além de ambivalência e transitoriedade...

Seria então possível encontrar em nós a anatomia de nossa própria natureza?

Vejamos antes quais as implicações práticas que envolvem a reflexão sobre a nossa humanidade.


CONTINUA...


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