Sejam bem-vind@s à retomada da nossa coluna Filípicas: diário das lutas de classes no Brasil, onde regularmente fazemos comentários sobre algumas das notícias mais cadentes da política nacional, sempre numa posição crítica às análises politicistas do jornalismo político tradicional e buscando mostrar a você como a política está relacionada às principais questões do seu dia a dia.
Nossa coluna é retomada em meio ao tiro-teio em que se transformou a política institucional nos últimos dias buscando apresentar a vocês que a crise entre o Governo e o Congresso que aparece hoje não é nada mais do que um dos capítulos de uma longa e antiga novela da sociedade brasileira.
Peguem a pipoca e venha conosco conferir um compacto dos melhores momentos dessa dramaturgia da vida real.
Com Vocês, Mais um Capítulo da Novela “Entre Tapas e Subornos”: entendendo a Crise Política
entre o Governo e Congresso
2025 já pode ser
considerado o ano do “inferno astral” do Governo Federal. Após amargar meses de crise de impopularidade
com a alta dos preços dos alimentos que fez a oposição subir o tom e o
jornalismo político duvidar da capacidade eleitoral do lulo-petismo para as
eleições de 2026, vem o escândalo do INSS, que, por mais que o Executivo
tentasse colocar na conta da gestão anterior, não conseguiu escapar ileso.
Pois bem, como
se tudo isso já não bastasse, a relação tensa com o Congresso Nacional agora
explode em uma crise institucional declarada, uma vez que, além da ação de
inconstitucionalidade junto ao STF, o lulo-petismo abandona o discurso da
conciliação de classes e lembra-se que um dia representou um setor importante
da esquerda brasileira. Fazendo uso de
vídeos com IA, com direito a jingles que relembram que a luta de classes existe
(algo que o Governo parecia ter esquecido desde 2003!), a propaganda política
do lulo-petismo ataca o Congresso sem meias-palavras, apresentando-o como
inimigo do povo (o que não deixa de ser verdade, diga-se de passagem!).
Claro que, uma
vez exposta a luta institucional, aparece a turma do “deixa-disso”, no caso, o
Judiciário volta a vestir a sua toga de “imparcialidade” e se propõe a mediar a
questão. Adotando a chamada “justiça de Salomão”, Alexandre de Morais suspende
tanto os decretos do Executivo que elevaram o IOFs quanto o decreto legislativo
aprovado pelo Congresso que derrubava a medida (Confira a notícia completa no
link: https://www.poder360.com.br/poder-governo/alckmin-elogia-decisao-de-moraes-sobre-iof-e-defende-dialogo/).
No entanto,
engana-se quem acreditar que essa crise político-institucional se resume apenas
à discussão do Imposto sobre Operações Financeiras (IOFs). As disputas
envolvendo o Governo e o Congresso, relaciona-se a outros aspectos e tem raízes
bem mais profundas.
O que estamos
vendo é, na verdade, uma nova cena de uma antiga novela, mas, para termos uma
visão mais clara do enredo e dos personagens, vamos aqui rever alguns dos
capítulos mais importantes.
Vale a pena ver
de novo!
1. Um ídolo de pés de barro: a frente eleitoral democrática de
2024 e sua desagregação no Parlamento
A vitória de outubro de 2022 deu-se claramente marcada pelo divisionismo e pela ação declarada da ultradireita em não dar trégua ao Governo recém-eleito. Para esta corrente, sobretudo, o bolsonarismo, era uma luta de vida ou de morte, já que a sua derrota poderia implicar seriamente no destino penal de muitos dos seus quadros.
Do lado das forças democráticas a
fragmentação também se anunciava. A frente que levou Lula e o PT de volta ao
Palácio da Alvorada estava unida unicamente sob a égide da derrota eleitoral do
bolsonarismo. Além da completa ausência de objetivos programáticos sólidos,
muitos destes aliados como o MDB e o PSDB (que no passado atuaram junto à
ultradireita) não tem a fidelidade política como a principal marca do seu
currículo. Mesmo as frações mais à esquerda desta frente – como o PSOL – não
escondiam sinais de insatisfação por mais que Guilherme Boulos, o principal
apoiador do Governo neste partido, tentasse manter o partido unido no apoio à
atual gestão. A desagregação da base aliada vista na votação do IOFs era, pois,
a morte de uma tragédia anunciada.
As forças do Capital que no passado puderam
ser, em grande parte, consensuadas através do “pacto social” articulado por
Lula e seus seguidores agora não têm mais o mesmo nível de concordância que
havia antes. As razões para este desacordo entre as frações da burguesia
brasileira mereceriam uma análise à parte que nos distanciaria muito do tema em
questão, mas ela pode ser resumida na discussão sobre até que ponto o Estado
brasileiro deve ou não deve investir em programas e políticas sociais. A
própria incapacidade do Governo em derrubar a lei do teto de gastos (na
verdade, sequer tentou fazer isso!) mostra que essa limitação é algo
inegociável para a burguesia, por mais que Lula goste de gabar-se em ser um
ótimo negociador e articulista político. O resultado é uma janela infinitamente
mais estreita para realização das medidas que não só foram as responsáveis
pelas altas taxas de aprovação dos governos lulo-petistas no passado, como foi
o principal carro-chefe de sua campanha em 2024.
É aqui que entra a questão da discussão do
IOFs, mas não nos adiantemos ainda, vejamos aqui os principais capítulos de uma
novela que poderia ser intitulada “Entre tapas e subornos” envolvendo o casal
Legislativo e Executivo.
2. Nos Capítulos anteriores...
A relação entre o Governo e o Congresso se construí
historicamente a partir da dinâmica do chamado “presidencialismo de coalizão”,
ou, para os mais íntimos, o chamado “fisiologismo partidário”. Essa dinâmica
que se tornou pública desde os anos 90 praticamente institucionalizou a
corrupção, mas também está nas raízes da nova dinâmica político-institucional
que se desenvolve no País a partir do golpe de 2016, onde o Parlamento passa a
ser o protagonista da relação Legislativo-Executivo.
Não por acaso, podemos identificar nos três
grandes eixos que envolvem as escaramuças entre o Governo e o Congresso,
aspectos que questionariam não só essa dinâmica como o protagonismo do
Legislativo. Estes eixos seriam:
a)
A defesa dos interesses de classes das
frações do Capital que estão diretamente organizadas em bancadas no Congresso,
como o agronegócio (bancada do boi); os militares e setores ligados à segurança
(bancada da bala); os setores fundamentalistas (bancada da bíblia) e a
recém-formada bancada dos que defende os interesses das grandes corporações
digitais (bancada das big-techs).
b)
A discussão sobre orçamento
c)
Discussão sobre liberação de cargos,
emendas parlamentares e verbas orçamentárias.
A partir desses três eixos é que se
estrutura o roteiro da novela que os brasileiros se acostumaram a ver nos
últimos quatro anos.
Evidentemente que, entre os três aquele que
corresponde ao interesse mais imediato do Congresso é a discussão sobre o
controle sobre distribuição de cargos e emendas parlamentares. Este eixo foi
objeto de atritos desde os primeiros dias de 2023, quando o Governo tomou
posse.
Entre março e abril do
mesmo ano, as presidências da Câmara e do Senado, intensificaram as negociações
por cargos, partidos como o União Brasil, por exemplo, embora já contassem com
alguns ministérios, afirmavam a necessidade de mais influência. Em junho e
julho do mesmo ano, para a aprovação do arcabouço fiscal e da reforma
tributária, o Governo teve de, em troca de apoio para a aprovação de suas
propostas, ceder os Ministérios dos Esportes e do Desenvolvimento Regional,
para nomes ligados a partidos como o PP e o Republicanos. Evidentemente que as
estatais também foram parte do acordo, tais como a Caixa Econômica Federal e o
Banco do Brasil.
Ao longo de 2024 a quebra de braço entre o
Congresso e o Ministério da Fazenda assume sua forma declarada uma vez que
Haddad, com a sua tradicional obsessão para o cumprimento de suas metas e para
com a garantia das metas de superávit primário, passou a ser o principal
polo de oposição do Poder Executivo junto ao Parlamento, cobrando por parte do
Congresso disciplina nos gastos (sic!), enquanto este cobrava a liberação de
recursos para obras e programas.
Mas o Congresso não gira apenas em torno de
seus próprios interesses corporativistas. Acima de tudo, como demonstra a sua
própria formação social e a correlação de forças dos partidos que hoje possuem
maioria da Câmara e no Senado, o Parlamento brasileiro é, como dizem Marx e
Engels, um “comitê que gerencia os negócios da burguesia”.
Uma vez que sua legitimidade social repousa
na sua política de conciliação de classes, o Governo sempre que se viu impelido
a adotar medidas que contemplassem os setores populares e progressistas da
sociedade brasileira, contou com o Congresso como o mais ferrenho defensor dos
setores mais agressivos do capital. É o que houve por exemplo, no debate sobre
a questão ambiental, envolvendo desde o Marco Temporal, até os recentes atritos
entre a Ministra Marina Silva e as Comissões do Congresso.
Ele também aparece nas discussões sobre a
segurança punitivista que sempre estão em pauta no congresso, bem como a
tradicional discussão envolvendo a legislação sobre o aborto, onde o Congresso
vem tomando uma postura mais e mais conservadora. E o que dizer da recém-criada
bancada das Big-Techs, projetada exclusivamente para atuar contra qualquer tipo
de marco regulatório das redes sociais e das plataformas digitais.
O que podemos observar do horizonte em que
essa novela de tapas e subornos se direciona, resume-se na lógica do
chantagista que, ao constranger o chantageado e conseguir suas exigências,
amplia o escopo da chantagem para exigências ainda maiores. Este tem sido o
mecanismo da dinâmica da relação entre o Congresso e o Governo nas últimas
décadas.
No entanto...
3. Será este o fim da novela da conciliação e do fisiologismo partidário?
Sempre que questionado sobre o porquê de
ceder às chantagens do Congresso as gestões lulo-petistas adotavam como
protocolo duas justificativas, no mínimo, questionáveis. A primeira era o
discurso tecnocrata de que, como Governo, era necessário “governar com a
oposição”, ouvir os descontentes, procurar “democraticamente” trabalhar com
todos pelos “interesses da nação”. O segundo que geralmente surgia quando as
negociatas eram tão abertas que beiravam o constrangimento, é o de que era
necessário “garantir a governabilidade”, ceder para manter a estabilidade, etc.
Essas duas justificativas parecem ter sido
totalmente abandonadas diante da propaganda lulo-petista abertamente contra a
postura do Congresso e com o claro apoio – embora não declarado diretamente –
do Governo as manifestações chamadas para esta semana envolvendo essa questão.
Teria o Governo finalmente abandonado o
discurso conciliatório que lhe foi tão característico?
A crise com o Congresso e a necessidade em
garantir não só o apoio popular, mas o apoio das organizações populares para
2026 teria levado o Governo para uma guinada à esquerda? Ou seria apenas uma
forma de se reaproximar mais uma vez dessas organizações, visando seu apoio nas
eleições?
Estaríamos diante de uma nova fase do lulo-petismo ou estamos presenciando apenas uma resposta do Governo às ameaças do Congresso?
Não podemos aqui senão conjecturar e assistir o desdobrar dessa teledramaturgia em que se tornou a política brasileira nos últimos vinte anos.
E lembre-se:
Política e você, tudo a ver!
Michael
Melo Bocádio
Fortaleza
– 08/07/205
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