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FILÍPICAS: DIÁRIO DAS LUTAS DE CLASSES ANO 2, Nº4 - O TEATRO DOS VAMPIROS (CONCLUSÃO)


(Advertência, o texto a seguir é a continuidade da postagem anterior. Caso você ainda não tenha lindo Clique Aqui! antes de começar a leitura do texto abaixo!)

O Teatro dos Vampiros - Conclusão

 Existiria alguma alternativa ao presidencialismo de coalizão?




Em nossa última postagem, vimos as origens da relação entre os poderes Legislativo e Executivo, desde  o primeiro Governo após a redemocratização e seguimos até os anos da administração FHC, quando o presidencialismo de coalizão ganhar status de institucionalização e o fisiologismo toma forma.

 Aqui seguimos nossa exposição mostrando como os últimos anos da administração lulo-petista antes do Golpe institucional de 17 de abril de 2016  representou o golpe final no enfraquecimento da autoridade política do Poder Executivo, trazendo o protagonismo da relação dos dois poderes para o campo do Legislativo.

4. Quando a percepção do fisiologismo partidário se torna pública




O processo de cooptação do lulo-petismo à dinâmica do presidencialismo de coalizão, teve início logo nos primeiros meses de sua gestão, com a aproximação do Governo com o MDB e, com partidos como PP e o PL, sim, esse mesmo que agora é oposição ao Governo. A barganha por ministérios e cargos se intensificou ao longo de todo o primeiro mandato, mostrando que o Governo havia deliberadamente abandonado anos de discussão e debate sobre participação popular e alinhava-se diretamente ao presidencialismo de coalizão.

Quanto ao fisiologismo, não há como esquecer o escândalo do “mensalão” onde as denúncias apontadas sugeriam que este havia evoluído para um novo nível. É importante aqui destacar que o passado não é a reprodução do presente. Durante quase toda a década de 1990 o fisiologismo não aparece na política brasileira tal como vemos hoje. Até então, o que se sabia da dinâmica fisiológica, é que esta era um recurso usado em casos isolados (referentes à alguma reforma, uma lei ou medida provisória).

 O escândalo do “mensalão” trouxe a percepção de que o fisiologismo ou havia se tornado ou estava em vias de se tornar, uma prática sistemática, ou seja, na dinâmica política que, apesar de não-institucional, era o que regia a relação entre o Executivo e o Legislativo sob a capa do presidencialismo de coalizão.

Não vamos aqui discutir até que ponto existem evidências comprobatórias ou não da existência do “mensalão”. Polemizar sobre isso não acrescentaria em nada nossa compreensão do nosso assunto. O fato é que, real ou não, o escândalo trouxe uma nova percepção pública do fisiologismo. Este deixa os bastidores e se torna em algo praticamente reconhecido por toda a sociedade brasileira, embora não se tivesse uma visão comprovada de como esse mecanismo realmente operava.

É neste momento que o Congresso começa a mostrar-se ciente da sua própria importância, uma vez que o caso do mensalão foi usado pelo Parlamento brasileiro e pela imprensa corporativa, como forma de desestabilizar o governo dando origem à uma crise política que pôde ser contornada na época.

No entanto, as crises políticas protagonizadas pelo Congresso, a partir de então, se tornariam mais frequentes, enfraquecendo gradualmente a autoridade política do Executivo, até o golpe institucional de 2016.

5.  Os Anos da escalada golpista




Entre 2010 e 2016, três elementos surgiram que enfraqueceram consideravelmente a autoridade política do Poder Executivo, agravando a situação política do mandato da então Presidenta Dilma Rousseff. Estes fatores pesaram ainda mais a favor do fortalecimento do protagonismo do Congresso, resultando no Golpe institucional de 17 de abril de 2016.

O primeiro elemento foi a crise socioeconômica entre 2008/2009, onde as medidas da gestão Lula não retardaram por muito tempo seus efeitos na economia. Logo em seu primeiro mandato, Dilma lida com um cenário econômico em estagnação e recessão, mesmo com os programas de aceleração do Crescimento (PACs 1 e 2) e o Minha Casa, Minha Vida.

 O quadro de desgaste na economia fortalecia munição para a oposição que, àquela altura, flertava com o conservadorismo, em especial, o neopentecostalismo, que consegue eleger uma bancada de deputados mais expressiva e trazer para o Congresso e a sociedade para a sua pauta.

O segundo elemento foram as manifestações de junho e julho de 2013. Juntamente com a crise socioeconômica, essas manifestações, evidenciam o desgaste cada vez maior do Governo junto à sociedade, em especial as camadas populares.

 Dilma assume o seu segundo mandato diante de uma insatisfação das camadas populares e da base aliada, que assume declarada e publicamente o seu tom chantagista. A crise econômica e social, aliou-se, portanto, um terceiro elemento, as seguidas crises políticas provocadas pelo Congresso. Liderando essa escalada de chantagens no Parlamento estava o MDB, que, além de ser na época, o principal partido no Congresso, também havia conquistado cargos importantes na linha da sucessão presidencial.

Dilma isolava-se gradualmente, enquanto o seu vice, Michel Temer, junto com o Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, fortaleciam suas posições, orquestrando deliberadamente crises políticas seguidas. A imprensa corporativa, por outro lado, também serviu como agente catalisador da crise política repercutindo espetacularmente os escândalos de corrupção relacionados à Operação Lava-Jato, importando-se muito mais em descredibilizar o Governo do que em checar a veracidade das delações premiadas que estampavam os noticiários.

  As condições para o golpe estavam diante da mesa.

 6. “Transformam um país inteiro num puteiro, pois assim se ganha mais dinheiro...”




Não vamos aqui aprofundar os motivos que influenciaram o golpe institucional de 2016. O seu significado, no entanto, caracterizou a transferência do polo dinâmico do Executivo para o Legislativo que entendeu que, para manter a estrutura de presidencialismo de coalizão e fisiologismo partidário, deveria, ele mesmo, assumir as rédeas do direcionamento do Executivo, ainda que sem romper com a estrutura presidencialista.

 Neste sentido Michel Temer e Bolsonaro governaram como os legítimos representantes do Legislativo, fundamentando suas gestões na ampliação das práticas fisiológicas e das negociatas de cargos. As declarações de Bolsonaro de que o Congresso estava contra ele e as rusgas entre ambos durante o período da pandemia, não mudam o fato de que a dinâmica da gestão bolsonarista estava em total alinhamento político com o Congresso.

É essa estrutura que o lulo-petismo vai se defrontar em seu retorno ao Palácio da Alvorada. Ao reassumir a faixa presidencial Lula não tinha mais as condições políticas e institucionais para formar os consensos que haviam fundamentado suas duas primeiras gestões. Parte da sua capacidade em articular consensos vinha exatamente do papel de protagonista que o Executivo tinha no Congresso, o que agora não existia mais.

 E é aqui que encontramos o subtexto de toda a novela que viemos acompanhando. Por um lado, temos o Executivo lutando para retomar sua autoridade e o protagonismo político que perdera desde 2016, por outro, o Legislativo não quer abrir mão do poder de dirigir os rumos da República, até porque, sua derrota representaria numa significativa redução do que havia conseguido acumular em termos de fisiologismo.

Esse atual cenário à luz da história que procuramos expor sumariamente aqui nos leva a questionar até que ponto o presidencialismo de coalizão se relaciona com as práticas fisiológicas, ou mesmo, da sua própria legitimidade e congruência com os valores republicanos.

Mas antes de observarmos as questões que esta situação nos levanta, vejamos aqui um aspecto importante em toda essa novela que envolve a dualidade das instituições brasileiras entre dois arquétipos constitutivos da política brasileira.

 7. Quando a roupa já não veste mais o corpo que a usa




Um dos traços mais interessantes da sociedade brasileira, relaciona-se a dualidade marcante entre as relações senhoriais que regem até mesmo nossas instituições e o caráter despudorado das relações de exploração de classe que também perpassam as mesmas. Parafraseando um dos personagens de Érico Veríssimo, o Brasil oscila entre dois Pedros: D. Pedro II e Pedro Malazarte.

O primeiro é a figura do Brasil senhorial, onde não só as elites, como as instituições públicas buscam vestir-se de vestes respeitáveis, quase acima do bem e do mal. O segundo é a representação, em um personagem, da preponderância dos acordos baseados em relações que não-institucionais sobre as próprias instituições.

A necessidade de se garantir a legitimidade política das instituições da República, faz com que os quadros da burguesia que ocupam lugar nas mesmas, tentem emprestar a elas um verniz de respeitabilidade. Por este motivo, foram criados, ao longo dos últimos anos, uma série de instituições, de leis e de mecanismos institucionais para se buscar coibir as práticas fisiológicas.

É o caso por exemplo da Lei da Transparência (Lei Complementar nº 131/2009); da criação dos Portais da Transparência; da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011); bem como o Fim do "Orçamento Secreto" (RP9) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2022, além das novas leis relativas às campanhas eleitorais.

A busca em se tentar resgatar a aura de respeitabilidade das instituições da República hoje, pode ser comparada ao homem que, para ir a uma festa, busca vestir a mesma roupa do que tinha comprado no ano anterior, sem se importar se ela ainda lhe cabe ou não.

 Como assim?

Ainda que seus mecanismos de interligação jamais tenham sido inteiramente esclarecidos e que a prática de presidencialismo de coalizão ainda tenha seus defensores, não só na imprensa liberal, como em setores da esquerda lulo-petista, é inevitável a evidência de que sua existência pressupõe a existência do fisiologismo e vice-versa.

Se a estrutura de toma lá, dá cá que envolve a estrutura de coalizão se mantém, como esses mecanismos político-institucionais seriam capazes de coibir as práticas fisiológicas? Para usar uma imagem do impacto dessas medidas diante da estrutura atual, é como se os ladrões de galinha que foram postos para tomar conta do galinheiro, tivessem criado armadilhas que os impedissem de roubar.

 Logo percebe-se o que irá acontecer.


 Para Concluir




Como afirmamos em outros textos, sempre que confrontados diante do porquê de terem aderido ao presidencialismo de coalizão que tanto haviam criticado no passado, o lulo-petismo sempre apela para duas argumentações.

A primeira foi exatamente a mesma defendida por FHC e que o jornalismo político repetiu como um realejo: a necessidade de se Governar contemplando as “minorias”, levando em conta a oposição.

 Neste sentido, o presidencialismo de coalizão aparece quase como um modelo legítimo, uma estrutura que, se não seria ideal, seria pelo menos eficiente na sua funcionalidade.

O segundo argumento, este quando diretamente confrontado com a evidência dos escândalos de práticas fisiológicas seria o de que, apesar de ilegal e injustificável, o fisiologismo lulo-petista tinham em vista “garantir a governabilidade”, ceder para manter a estabilidade, etc.

Os acontecimentos provaram o contrário. O avanço do fisiologismo que se desenvolve na estrutura do presidencialismo de coalizão volta-se contra o próprio Governo e se torna num agente promotor de crises políticas que inviabilizam a governabilidade, mesmo dentro da ordem burguesa.

 Ocorre então algumas perguntas importantes que, neste momento, onde já estão sendo formadas as articulações para 2026, é preciso se fazer.

 Primeiramente, é possível estabelecer, mesmo no interior das instituições burguesas, uma ordem de gestão pública alternativa ao presidencialismo de coalizão?

 A segunda questão é, o que teria levado as gestões lulo-petistas a abandonarem o modelo de democracia participativa que haviam desenvolvido por quase uma década de discussões, debates e produção intelectual? Estaria convencido da sua inexequibilidade?

Às portas de uma novela eleição a frente democrática no qual a esquerda – mesmo a que fazia oposição ao lulo-petismo – se inseriu não foi capaz de derrubar a lei de teto de gastos ou mesmo de recuperar a autoridade do Executivo e avançar na moralização das instituições. No último pleito eleitoral, a urgência em vencer o bolsonarismo fez com que o debate programático fosse varrido para debaixo do tapete.

Agora, com o bolsonarismo em crise, é possível sustentar o apoio popular de mais uma eleição sem um programa que verdadeiramente contemple as necessidades da classe trabalhadora?

Como seria possível garantir a execução deste programa sem a derrubada da lei do Teto de Gastos? Pior ainda, como garantir que esse programa se realize dentro da estrutura de presidencialismo de coalizão e de práticas fisiológicas?

As esquerdas devem resgatar como proposição programática a proposta da democracia participativa como modelo de gestão ou já seria a hora de se fazer um balanço crítico desta?

"Tantas perguntas, tantas questões".

 Michael Melo Bocádio – Fortaleza, 12/07/2025.

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