O EQUILIBRISTA: A QUESTÃO DA CONDIÇÃO HUMANA E AS CONSEQUÊNCIAS SOCIOPOLÍTICAS DA CRISE DA CONCEPÇÃO DE SUJEITO (PARTE 4)
Afinal, O Que Nos Torna Humanos?
O que significa dizer: “somos humanos?”
Quando fazemos esta pergunta, em geral, nos
deparamos com quatro tipo de respostas.
A primeira delas é uma resposta biológica.
Somos humanos porque temos traços anatômicos comuns, descendemos de uma mesma
espécie evolutiva, algo que está, pois, registrado em nosso próprio DNA.
Mas tal resposta não é suficiente porque o aspecto genético não explica em que
sentido conseguimos nos conectar e tomar decisões que, muitas vezes, podem
comprometer a nossa existência em função de um bem coletivo. Do ponto de vista
estritamente biológico, este comportamento não se justificaria já que, todo ser
vivo, tem como imperativo biológico, garantir sua própria sobrevivência.
Na busca pela explicação sobre a
especificidade de nossa espécie, procuramos atributos que nos diferencie dos
outros animais o que logo nos leva, pois, à uma segunda resposta. Uma resposta
epistemológica. Somos seres humanos porque, a priori, a espécie humana se
diferencia de todos os outros animais na medida em que é dotada da faculdade
de pensar de forma cognoscível e de produzir conhecimento. Neste sentido
não estamos nos referindo apenas ao pensamento racional, mas, também outros
atributos relativos ao pensamento cognoscente, como a intuição, a memória, a
fantasia, o senso estético, etc. Esta nossa capacidade de ser cognoscível
seria o que nos permitiria projetar-nos como seres universais, para além de
nossas diferenças particulares, e, com isso, o desenvolvimento da concepção de
gênero humano.
Todavia, nem o nosso reconhecimento como
espécie, nem a nossa compreensão racional do mundo é suficiente para nos identificarmos
uns com os outros, já que esta projeção universalizante, operada pelo
pensamento racional, pressupõe uma forma determinada de existência humana
que é a civilização.
Neste caso, encontramos uma terceira resposta
sobre aquilo que nos torna humanos. Esta seria uma resposta sociológica.
Somos humanos por que participamos de uma mesma ordem de sociabilidade,
apesar das diferenças culturais ou das diferentes formas de organização
política local. Este fato nos torna participantes de uma mesma comunidade, na
qual somos, de alguma forma, responsáveis coletivamente, mesmo nas decisões
mais simples, como tomar ou não uma vacina, ou sair ou não de casa em período
de isolamento social, por exemplo. Esta forma de existência social, junto à
nossa capacidade cognoscível, estaria na raiz da formulação da concepção de
gênero humano.
Desta forma, é no espaço da sociabilidade
que vamos encontrar os elementos que constituem a nossa humanidade.
Todavia, mesmo em coletividade, encontramos diferentes ordens de
comportamento social, e, não por acaso, nestes comportamentos, reconhecemos
vários tipos de ações que reconhecemos como ações humanitárias ou ações
desumanas. Assim, se a nossa humanidade pressupõe uma existência coletiva, não
é qualquer ordem de comportamento social que nos conecta diretamente uns
aos outros, como participantes de uma mesma espécie.
Neste sentido é que encontramos, finalmente,
um novo tipo de resposta para a pergunta em questão, que é uma resposta
antropológica. Apesar de nascermos como membros da mesma espécie, de
vivermos em sociedade e de pensarmos cognoscitivamente, nossa humanidade também
pode ser entendida como um processo, uma construção, que se relaciona ao
desenvolvimento de uma determinada ordem de comportamento em sociedade.
Quer dizer, não somos humanos simplesmente por termos nascido com o código
genético do homo sapiens, nós nos tornamos humanos quando nos
comportamos de uma dada maneira, característica de seres
verdadeiramente humanos, isto é, quando nosso comportamento individual
não visa unicamente a preservação da nossa existência imediata, mas também se
relaciona ao benefício da coletividade a qual pertencemos.
Esta última resposta nos chama atenção, pelo
fato de que ela não está diretamente relacionada à nossa condição biológica ou
cognoscitiva, ou mesmo ao fato de sermos participantes do mesmo tipo de
comunidade.
Para além do fato de compor a sociabilidade
humana, nossa compreensão do que seja essencialmente humano envolve uma
forma determinada forma de agir e de atuar em sociedade. Desta maneira,
dentro desta compreensão antropológica, há uma diferença entre ser da
espécie homo sapiens e ser exatamente humano.
Como assim?
Tomemos um exemplo hipotético para ilustrar a
afirmação acima!
Se um marciano pousasse em nosso pequeno
planetinha azul, habitasse entre nós e pudesse interagir conosco, a ponto de desenvolver
aquele conjunto de características comportamentais que entendemos serem
componentes da nossa humanidade, este seria reconhecido social e
antropologicamente como alguém muito mais humano do que, por exemplo, o sr.
Josef Mengele, cujo comportamento individual pode
ter vários adjetivos, menos o de humano.
Paradoxalmente, este senhor que ficou conhecido como o “Anjo da Morte” além
de participar de nossa sociabilidade desde que nascera, está muito mais próximo
de nós em termos de atributos biológicos e intelectuais do que o nosso marciano
hipotético, porém, seu comportamento não
o qualifica exatamente como humano.
Desta forma, dentro de uma
perspectiva antropológica, ninguém nasce humano, nós nos tornamos humanos dentro de um determinado lócus na natureza –
que é a sociabilidade – e no
desenvolvimento de uma dada ordem de comportamento
social que nos leva a ter uma percepção de participantes do gênero humano.
O aspecto antropológico de nossa questão, nos
traz, portanto, um elemento importante que é a relação entre a formação de
nosso comportamento em sociedade e as determinações sociais condicionantes
que atuam na formação deste.
Para sermos mais precisos, a forma
como a configuração sociopolítica da sociabilidade humana influencia nosso
comportamento social, se dá através de um conjunto de relações entre indivíduos
que obedecem a lógica do papel que
ocupamos na divisão social do trabalho e não apenas a nossa educação
individual.
Me refiro aqui à presença da influência das relações sociais, na formação
do nosso comportamento em sociedade. Desta forma, a reflexão sobre o sentido
antropológico de nossa humanidade leva-nos a refletir em que sentido as relações sociais atuam na formação de nosso
comportamento social, e, com isso, na formação da nossa autocompreensão
como seres humanos e como espécie humana.
Se me detenho tanto no aspecto
antropológico de nossa reflexão sobre a natureza humana é exatamente pelo fato
de que, é na discussão antropológica que
vemos emergir a noção de direitos humanos e a legitimação de uma ordem política
capaz de garantir estes direitos.
Como?
Confere com a gente...
CONTINUA...
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