Pular para o conteúdo principal

O EQUILIBRISTA: A QUESTÃO DA CONDIÇÃO HUMANA E AS CONSEQUÊNCIAS SOCIOPOLÍTICAS DA CRISE DA CONCEPÇÃO DE SUJEITO (PARTE 4)

 

Afinal, O Que Nos Torna Humanos?

(Advertência: este texto apresenta-se como uma continuação e exige, para seu entendimento, a leitura preliminar das postagens anteriores. Se você está lendo pela primeira vez, volte para a postagem do dia seis de maio e prossiga até aqui)



O que significa dizer: “somos humanos?”

Quando fazemos esta pergunta, em geral, nos deparamos com quatro tipo de respostas.

A primeira delas é uma resposta biológica. Somos humanos porque temos traços anatômicos comuns, descendemos de uma mesma espécie evolutiva, algo que está, pois, registrado em nosso próprio DNA. Mas tal resposta não é suficiente porque o aspecto genético não explica em que sentido conseguimos nos conectar e tomar decisões que, muitas vezes, podem comprometer a nossa existência em função de um bem coletivo. Do ponto de vista estritamente biológico, este comportamento não se justificaria já que, todo ser vivo, tem como imperativo biológico, garantir sua própria sobrevivência.

Na busca pela explicação sobre a especificidade de nossa espécie, procuramos atributos que nos diferencie dos outros animais o que logo nos leva, pois, à uma segunda resposta. Uma resposta epistemológica. Somos seres humanos porque, a priori, a espécie humana se diferencia de todos os outros animais na medida em que é dotada da faculdade de pensar de forma cognoscível e de produzir conhecimento. Neste sentido não estamos nos referindo apenas ao pensamento racional, mas, também outros atributos relativos ao pensamento cognoscente, como a intuição, a memória, a fantasia, o senso estético, etc. Esta nossa capacidade de ser cognoscível seria o que nos permitiria projetar-nos como seres universais, para além de nossas diferenças particulares, e, com isso, o desenvolvimento da concepção de gênero humano.

Todavia, nem o nosso reconhecimento como espécie, nem a nossa compreensão racional do mundo é suficiente para nos identificarmos uns com os outros, já que esta projeção universalizante, operada pelo pensamento racional, pressupõe uma forma determinada de existência humana que é a civilização.

Neste caso, encontramos uma terceira resposta sobre aquilo que nos torna humanos. Esta seria uma resposta sociológica. Somos humanos por que participamos de uma mesma ordem de sociabilidade, apesar das diferenças culturais ou das diferentes formas de organização política local. Este fato nos torna participantes de uma mesma comunidade, na qual somos, de alguma forma, responsáveis coletivamente, mesmo nas decisões mais simples, como tomar ou não uma vacina, ou sair ou não de casa em período de isolamento social, por exemplo. Esta forma de existência social, junto à nossa capacidade cognoscível, estaria na raiz da formulação da concepção de gênero humano. 

Desta forma, é no espaço da sociabilidade que vamos encontrar os elementos que constituem a nossa humanidade. Todavia, mesmo em coletividade, encontramos diferentes ordens de comportamento social, e, não por acaso, nestes comportamentos, reconhecemos vários tipos de ações que reconhecemos como ações humanitárias ou ações desumanas. Assim, se a nossa humanidade pressupõe uma existência coletiva, não é qualquer ordem de comportamento social que nos conecta diretamente uns aos outros, como participantes de uma mesma espécie. 

Neste sentido é que encontramos, finalmente, um novo tipo de resposta para a pergunta em questão, que é uma resposta antropológica. Apesar de nascermos como membros da mesma espécie, de vivermos em sociedade e de pensarmos cognoscitivamente, nossa humanidade também pode ser entendida como um processo, uma construção, que se relaciona ao desenvolvimento de uma determinada ordem de comportamento em sociedade. Quer dizer, não somos humanos simplesmente por termos nascido com o código genético do homo sapiens, nós nos tornamos humanos quando nos comportamos de uma dada maneira, característica de seres verdadeiramente humanos, isto é, quando nosso comportamento individual não visa unicamente a preservação da nossa existência imediata, mas também se relaciona ao benefício da coletividade a qual pertencemos.

Esta última resposta nos chama atenção, pelo fato de que ela não está diretamente relacionada à nossa condição biológica ou cognoscitiva, ou mesmo ao fato de sermos participantes do mesmo tipo de comunidade.

Para além do fato de compor a sociabilidade humana, nossa compreensão do que seja essencialmente humano envolve uma forma determinada forma de agir e de atuar em sociedade. Desta maneira, dentro desta compreensão antropológica, há uma diferença entre ser da espécie homo sapiens e ser exatamente humano.

Como assim?

Tomemos um exemplo hipotético para ilustrar a afirmação acima!

Se um marciano pousasse em nosso pequeno planetinha azul, habitasse entre nós e pudesse interagir conosco, a ponto de desenvolver aquele conjunto de características comportamentais que entendemos serem componentes da nossa humanidade, este seria reconhecido social e antropologicamente como alguém muito mais humano do que, por exemplo, o sr. Josef Mengele, cujo comportamento individual pode ter vários adjetivos, menos o de humano.

Paradoxalmente, este senhor que ficou conhecido como o “Anjo da Morte” além de participar de nossa sociabilidade desde que nascera, está muito mais próximo de nós em termos de atributos biológicos e intelectuais do que o nosso marciano hipotético, porém, seu comportamento não o qualifica exatamente como humano.

Desta forma, dentro de uma perspectiva antropológica, ninguém nasce humano, nós nos tornamos humanos dentro de um determinado lócus na natureza – que é a sociabilidade – e no desenvolvimento de uma dada ordem de comportamento social que nos leva a ter uma percepção de participantes do gênero humano.

O aspecto antropológico de nossa questão, nos traz, portanto, um elemento importante que é a relação entre a formação de nosso comportamento em sociedade e as determinações sociais condicionantes que atuam na formação deste.

Para sermos mais precisos, a forma como a configuração sociopolítica da sociabilidade humana influencia nosso comportamento social, se dá através de um conjunto de relações entre indivíduos que obedecem a lógica do papel que ocupamos na divisão social do trabalho e não apenas a nossa educação individual.

Me refiro aqui à presença da influência das relações sociais, na formação do nosso comportamento em sociedade. Desta forma, a reflexão sobre o sentido antropológico de nossa humanidade leva-nos a refletir em que sentido as relações sociais atuam na formação de nosso comportamento social, e, com isso, na formação da nossa autocompreensão como seres humanos e como espécie humana.

Se me detenho tanto no aspecto antropológico de nossa reflexão sobre a natureza humana é exatamente pelo fato de que, é na discussão antropológica que vemos emergir a noção de direitos humanos e a legitimação de uma ordem política capaz de garantir estes direitos.

Como?

Confere com a gente...


CONTINUA...

PARA LER A PARTE 5: CLIQUE AQUI!!!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O EQUILIBRISTA: A QUESTÃO DA CONDIÇÃO HUMANA E AS CONSEQUÊNCIAS SOCIOPOLÍTICAS DA CRISE DA CONCEPÇÃO DE SUJEITO (CONCLUSÃO)

(Advertência: este texto apresenta-se como uma continuação e exige, para seu entendimento, a leitura preliminar das postagens anteriores. Se você está lendo pela primeira vez, volte para a postagem do dia seis de maio e prossiga até aqui)   A crise teórica na fundamentação da categoria de sujeito e o desafio de uma nova fundamentação para os direitos sociais e políticos Como vimos, a compreensão antropológica que herdamos da sabedoria dos modernos consiste em uma compreensão dualista da pessoa humana, entre o nosso ideal de comportamento, quer dizer, nossa autocompreensão teorética de onde inferimos um conjunto de características “naturais” que formam o sujeito de direitos . Por outro lado, também desenvolvemos – com base nas condicionantes objetivas – um comportamento social necessário advindo das necessidades oriundas das relações sociais objetivas. Também vimos que essas duas ordens de compreensão têm origem nos mesmos aspectos objetivos que condicionam nossas relações soc...

FILÍPICAS: DIÁRIO DAS LUTAS DE CLASSES ANO 2, Nº1 - ENTRE TAPAS E SUBORNOS

  Sejam bem-vind@s à retomada da nossa coluna Filípicas: diário das lutas de classes no Brasil, onde regularmente fazemos comentários sobre algumas das notícias mais cadentes da política nacional, sempre numa posição crítica às análises politicistas do jornalismo político tradicional e buscando mostrar a você como a política está relacionada às principais questões do seu dia a dia. Nossa coluna é retomada em meio ao tiro-teio em que se transformou a política institucional nos últimos dias buscando apresentar a vocês que a crise entre o Governo e o Congresso que aparece hoje não é nada mais do que um dos capítulos de uma longa e antiga novela da sociedade brasileira. Peguem a pipoca e venha conosco conferir um compacto dos melhores momentos dessa dramaturgia da vida real.  Com Vocês, Mais um Capítulo da Novela “Entre Tapas e Subornos”: entendendo a Crise Política entre o Governo e Congresso   2025 já pode ser considerado o ano do “inferno astral” do Governo Feder...

O EQUILIBRISTA: A QUESTÃO DA CONDIÇÃO HUMANA E AS CONSEQUÊNCIAS SOCIOPOLÍTICAS DA CRISE DA CONCEPÇÃO DE SUJEITO (PARTE 1)

  Muito além das Representações Certa vez, olhando algumas imagens de filmes antigos no YouTube, deparei-me com a antológica cena de Carlitos (clássico personagem de Chaplin), equilibrando-se na corda-bamba no filme O Circo . A cena, não por acaso, remete claramente às passagens onde Nietzsche relaciona o homem, ora à uma corda estendida à beira do abismo entre dois extremos, ora como um equilibrista, prestes a cair. No entanto, esta representação da ambivalência da condição humana, não é uma constatação contemporânea.   Na Antiguidade, figuras como Édipo da peça de Sófocles, Édipo Rei , já colocavam a pessoa humana diante de contradições inevitáveis como o presente e o passado; a inocência e a culpa; a verdade e a mentira e da possibilidade de transitar entre elas, conforme as circunstâncias, como nos mostra o destino da rainha Jocasta, ao final da peça. Para mim, todas essas questões na peça atingem seu auge na cruel imagem entre Édipo e o profeta cego Tirésias, onde es...

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *