O EQUILIBRISTA: A QUESTÃO DA CONDIÇÃO HUMANA E AS CONSEQUÊNCIAS SOCIOPOLÍTICAS DA CRISE DA CONCEPÇÃO DE SUJEITO (PARTE 5)
(Advertência: este texto apresenta-se como uma continuação e exige, para seu entendimento, a leitura preliminar das postagens anteriores. Se você está lendo pela primeira vez, volte para a postagem do dia seis de maio e prossiga até aqui)
Os Aspectos que Condicionam a Formação de nosso Comportamento Social
Vamos retomar o que dissemos
anteriormente.
Se entendemos que:
a) Nossa
humanidade se define não apenas por nossas características biológicas,
cognoscitivas e sociológicas, mas também quando assumimos uma determinada ordem
de comportamento social;
b) Na medida
em que nossa humanidade se estabelece a partir de uma ordem comportamental,
podemos afirmar que esse estatuto de humanidade é de ordem processual, ou seja,
do ponto de vista antropológico, não nascemos humanos, mas nos humanizamos na
medida em que nosso comportamento individual se caracteriza de uma determinada
forma que atesta nossa humanidade
c) Neste
sentido, o processo de humanização aparece relacionado à formação de nossas
relações sociais e se relaciona às características destas relações.
Essas foram as três grandes conclusões
que nossa exposição nos levara anteriormente. Vamos agora refletir sobre a
seguinte questão, a partir desses três aspectos: se nossa humanidade se caracteriza
não só por nossas características corpóreas, intelectivas e sociológicas, mas
também é reconhecida através do nosso comportamento, quais as referências que
caracterizam nossa maneira de ser e de agir como necessariamente humanas?
Tendo em vista a última
conclusão, podemos dizer que nossa natureza antropológica está
relacionada às relações sociais. No entanto, esta resposta assinala
apenas o ponto de partida para a determinação dessas referências.
Partindo desta necessária relação, podemos encontrar duas condicionantes
para a formação de nosso comportamento social (ou seja, de nossa natureza
antropológica) que aparecem imediatamente relacionadas, mas que são totalmente
diferentes.
A primeira e mais óbvia é a nossa
representação abstrata daquilo que entendemos que nos torna humanos.
Como assim? Me refiro a ideia que cada
sociedade projeta sobre o que seja a representação ideal da pessoa humana.
É a partir desta figura ideal desenvolvida
socialmente que, individualmente, deduzimos os elementos que constituem
não só os valores e princípios, como as habilidades sociais e ordem de
conhecimentos intelectuais que nos levariam a sermos socialmente reconhecidos
como pessoa.
Pode parecer algo um pouco distante,
mas essa figura aparece quando avaliamos nosso próprio comportamento
individual, quando fazemos juízo de valor sobre o comportamento de outras
pessoas – sobretudo pessoas famosas – ou quando refletimos sobre qual tipo de
educação queremos dar a nossos filhos.
Vamos tomar como exemplo este último
caso!
Suponha que seu filho ou sua filha
está começando a aprender a andar e a falar. A criança já se comunica e,
portanto, passa a assimilar ordens de conhecimentos mais elaboradas. A partir
deste momento, você por exemplo, começa a se preocupar com que tipo de palavras
a criança reproduz. Que tipo de comportamentos você gostaria que ela imitasse...
Intuitivamente, seu senso de
paternidade ou maternidade lhe leva a selecionar os aspectos que você entende
que seriam importantes para que a criança incorporasse na sua formação
psicossocial. Esses aspectos não são determinados pelo nosso gosto pessoal, mas
pelo conjunto de elementos que, em nossa compreensão, levaria nossos filhos a
desenvolver seu potencial dentro dos limites e de possibilidades que a
sociedade oferece!
Quer dizer, que tipo de valores,
de conhecimentos e de aspectos comportamentais entendemos que seriam necessários
para que nossos filhos sejam socialmente reconhecidos como seres
humanos?
Quando tomamos essa questão no
dia a dia, acabamos por projetar uma imagem ideal de comportamento humano,
cujas características queremos que nossos filhos incorporem.
Estamos entendidos?
A segunda condicionante da nossa
natureza antropológica, aparece quando nos perguntamos... qual a origem dessa
figura, dessa idealização de ser humano que projetamos e que tomamos como referência
para o reconhecimento daquilo que entendemos como um comportamento genuinamente
humano?
Observamos que essa projeção não
tem em vista apenas os nossos gostos pessoais, mas também aquilo que entendemos
que nos leva a sermos socialmente aceitos. Desta forma, essa projeção
nasce dos limites e das possibilidades objetivas que são desenvolvidas
socialmente. Estes limites e possibilidades não estão apenas relacionados ao acesso
ao conhecimento e à cultura, mas também e principalmente, as condições
objetivas que dispomos para garantir a nossa própria existência material.
Basta imaginar que, quando pensamos
naquilo que precisamos para sermos felizes, ou o que projetamos para os nossos
filhos como ideal de felicidade, o primeiro aspecto que consideramos é a
superação das dificuldades econômicas.
Ora, essas duas condicionantes –
objetivas e subjetivas – que consideramos para a caracterização de um
comportamento verdadeiramente humano não são, pois, fixas. Elas mudam, não
apenas de país para país, de sociedade para sociedade, mas também
historicamente.
Podemos então dizer que, aquilo
que hoje compreendemos como o conjunto de valores, princípios, comportamentos e
conhecimentos que nos caracterizam como seres humanos muda conforme não apenas
a ideia de nossa compreensão do que seja ser humano, como das condições sociais
objetivas a partir das quais projetamos essa figura de ser humano ideal.
Dessa maneira, a compreensão que
você tem agora sobre que tipo de atitude você caracterizaria como essencialmente
humana, não é apenas uma escolha subjetiva, mas está também relacionada as condicionantes
subjetivas e objetivas que aparecem produzidas na sociedade e no tempo
histórico em que vivemos.
Quando falamos pois: tenho o
direito natural à liberdade! Ou tenho direito natural à educação! Ou sou uma
pessoa, e, como pessoa, sou naturalmente, um sujeito de direitos! Você está, na
verdade, expressando uma compreensão determinada sobre a natureza humana. Essa
compreensão é a abstração de determinadas condições sociais e históricas que
nem sempre existiram e que, por isso, não são exatamente...
Naturais!
No entanto, é inegável que os
nossos direitos sociais e políticos têm sua origem numa determinada compreensão
antropológica sobre os atributos que confirmam nossa humanidade, compreensão
esta que aparece relacionada às condições sociais de vida produzidas ao longo
do tempo e do qual somos legatários.
Mas...
E se eu te dissesse que essa
compreensão antropológica que justifica e legitima esses direitos está em
crise?
Para onde vão nossos direitos se
essa ordem de compreensão aparece ameaçada?
É possível reelaborarmos nossos
direitos sociais e políticos a partir de uma nova compreensão da antropologia
humana?
É possível apreender uma nova
compreensão antropológica sem a transformação das relações socialmente
existentes?
Acompanhe conosco na nossa
próxima postagem!
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